As Licitações e o Desenvolvimento Nacional


Para começar, vou falar um pouco sobre a importância das licitações para o desenvolvimento nacional, sem juridiquês, pois minha formação não é jurídica e o objetivo é esclarecer e simplificar.
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A Constituição, no Estado pós-moderno, é o plano estratégico de uma nação. E os planos táticos e operacionais são as normas infraconstitucionais (leis, decretos, instruções normativas). Assim a nossa Constituição Federal estabeleceu em 1988 várias políticas públicas a serem implementadas pelos governos eleitos. Uma delas é a de contratar obras, serviços, compras e alienações mediante licitação pública (CF/88, art. 37, inciso XXI).
Tal dispositivo "traduz política pública na medida em que pressupõe ser a competição seletiva isonômica aquela que habilita a Administração Pública, consultado o mercado, à identificação mais favorável à prestação de serviços, à execução de obras, à compra ou à alienação"*. Além disso, "a estratégia da execução indireta faz da atividade contratual da Administração o caminho necessário e natural para viabilizar as compras, as obras e os serviços de que carecem os programas e os projetos que materializarão aquelas políticas."
Em 2010 as compras públicas representaram cerca de 16% do PIB nacional. Imagine que você quer comprar um carro. Isso te permite negociar até certo ponto com o vendedor. Agora você quer comprar 1 milhão de carros, quais exigências você pode fazer ao fornecedor?
O poder de compra governamental é tão grande que, se organizado e bem gerido, é capaz de melhorar a distribuição de renda, educar, provocar a produção de produtos cada vez mais sustentáveis, desenvolver o país.
Isso tem sido feito por meio da Lei n 8.666/1993 e suas alterações, da Lei Complementar nº 123/2006 e outras normas (ver o portal ComprasNet, Legislação) as quais trazem incentivos referentes à preservação do meio ambiente, política fundiária, preservação do patrimônio histórico, geração de emprego e inclusão social, reequipamento das forças armadas e de defesa nacional, participação em força de paz internacional, apoio ao deficiente físico, ciência e tecnologia, proteção ao trabalho do menor, incentivo à produção de bens e serviços de informática, gestão de florestas, e tratamento favorecido a microempresas (ME), empresas de pequeno porte (EPP) e cooperativas.
Por outro lado, quando se fala em Administração Pública, licitações e desenvolvimento nacional, não basta haver leis disciplinando a matéria e esquecer quem vai aplicá-las, os gestores públicos. Quem, em sã consciência, pediu para ser pregoeiro ou presidente de comissão de licitações? Quem com boas intenções vibra quando é nomeado ordenador de despesas? Poucos são os que desejam tais funções, pois não há incentivos, treinamento ou qualificação para executarem bem suas tarefas. Além disso, em um mercado de cerca de R$ 3 bilhões, somente por meio de pregão eletrônico, a responsabilidade é enorme, e os escândalos não param.
É triste saber que, após as crises e reformas dos anos 80, tenha surgido a Nova Gestão Pública (New Public Management - NPM), e evoluiu para o modelo Public Service Oriented (PSO), o qual, segundo Caio Marini: “está baseado na noção de equidade, de resgate do conceito de esfera pública e de ampliação do dever social de prestação de contas (accountability). Essa nova visão, ainda que não completamente delimitada do ponto de vista conceitual, introduz duas importantes inovações: uma no campo da descentralização, valorizando-a como meio de implementação de políticas públicas; outra a partir da mudança do conceito de cidadão, que evolui de uma referência individual de mero consumidor de serviços, para uma conotação mais coletiva, incluindo seus deveres e direitos. Desse modo, clip_image004mais do que ‘fazer com menos’ e ‘fazer melhor’, o fundamental é ‘fazer o que deve ser feito’. Isto implica um processo de concertação nacional que aproxima e compromete todos os segmentos (Estado, sociedade, setor privado, etc.) na construção do projeto nacional.
Digo que é triste, pois, apesar de existir no Brasil grandes estudiosos sobre o assunto, como Bresser Pereira, ainda não vivemos esse tipo de administração. O que muito se vê são obras descabidas custando somas exorbitantes, sem ter sido levado em conta o que realmente tinha que ser feito. Um ótimo exemplo é a Copa de 2014. Eu adoro futebol, mas gastar milhões com obras para construção de estádios é absurdo. Há outros problemas nacionais como saneamento básico e má educação para os quais poderiam ser revertidos tais investimentos.
Voltando para a gestão, para se atingir o objetivo da eficiência por meio da contratação mais vantajosa para a Administração, não basta ter uma licitação bem planejada, fundamentada em ampla pesquisa de mercado, um edital isonômico, um julgamento objetivo e preços baixos, se a execução da obra ou do serviço, o fornecimento dos bens não forem bem fiscalizados. Somente assim é possível falar em atender ao interesse público: o setor privado ganha o que é justo, a Administração paga o melhor preço, e a sociedade tem uma demanda atendida.
Caso contrário, há um prejuízo enorme ao desenvolvimento nacional, pois há uma distorção da economicidade e da eficiência. Você conhece ruas e estradas que são asfaltadas rotineiramente, mas sempre têm buracos? Quanto será que custa 2 cm de asfalto por km? E se o contratado era 8 cm e se asfaltou 6 cm, quem vai saber? Podem ter sido contratos decorrentes de licitações perfeitas, mas a execução foi falha. Por isso, todos, como cidadãos, somos responsáveis pela fiscalização dos serviços públicos. Se verificar ter havido alguma irregularidade, denuncie ao TCU ou ao Ministério Público!
Enfim, era isso que eu tinha pra dizer inicialmente. Ainda preciso me acostumar a fazer textos menores. Mas se trata de um assunto tão empolgante e importante para a nação que não me controlo. Algumas informações tirei da obra "Políticas Públicas nas Licitações e Contratações Administrativas", Ed. Fórum, escrita pelo Desembargador do TJ-RS, Dr. Jessé Torres Pereira Junior, e pela Advogada da União, Dra Marinês Restelatto Dotti.
Inclusive, pedirei a Dra Marinês nos escreva um artigo cujo tema será de sua livre escolha, para contribuir com nosso blog e nosso conhecimento.
Os próximos artigos mesclarão teoria e prática. Os principais assuntos envolvendo licitações e contratos do ponto de vista prático, da Administração, do gestor público. Assim, se alguém que estiver lendo pensar: eu sou trabalho na iniciativa privada, não me interessa, não esqueça o ensinamento de Sun Tzu:
clip_image006“Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas. Se você se conhece, mas não conhece o inimigo, para cada vitória ganha sofrerá também uma derrota. Se você não conhece nem o inimigo nem a si mesmo, perderá todas as batalhas.”
Encerro este artigo com um fragmento do livro já citado (p. 44).
"Conta-se que Deus convidou um homem para conhecer o céu e o inferno. Levou-o ao inferno em primeiro lugar. Ao abrir uma porta, o homem deparou-se com um salão cujo centro havia um caldeirão de sopa fumegante, que exalava um aroma delicioso. À toda volta do caldeirão havia pessoas sentadas, famintas e desesperadas. Cada uma delas segurava uma colher de cabo muito comprido, que lhe possibilitava alcançar o caldeirão, mas não permitia que levasse a colher à própria boca. Sofrimento e frustração eram grandes.
A seguir Deus levou o homem para conhecer o céu, em outro salão, idêntico ao primeiro: a mesma sopa saborosa no caldeirão, a cuja volta havia pessoas empunhando colheres de cabo comprido, porém felizes, saciadas. Não havia fome, nem sofrimento.
A diferença estava em que, no céu, cada pessoa servia a sopa à outra que se encontrava do lado oposto do caldeirão. Todos estavam fartos.
Moral da história em quatro pontos: 1) as pessoas no inferno estavam preocupadas com a própria fome, impedindo que cogitassem de alternativas para resolver a situação; 2) não exercitavam o mínimo de criatividade para utilizar a colher de cabo comprido de modo eficiente e eficaz; 3) houvesse ao menos espírito solidário e ajuda mútua, a solução teria sido encontrada; 4) dificilmente o individualismo consegue transpor barreiras; uma equipe participativa, homogênea, coesa, supera um batalhão de pessoas com posicionamentos isolados, o que vale para qualquer relação de pessoas, inclusive a profissional.
A alegoria em nada difere do objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, tal como posto no art. 3, I, da CR/88: 'construir uma sociedade livre, justa e solidária'. As políticas públicas são veículo dessa construção e entre os seus instrumentos de maior efetividade está a atividade contratual exercitada no dia-a-dia da função administrativa estatal".

2 comentários:

Adrimar disse...

Muito bom seu primeiro post técnico sobre o assunto. Não há dúvida de que o Governo tem um poder enorme nas mãos quando vai às compras. O grande problema brasileiro se chama corrupção. Aqui ela atinge números gigantescos e alarmantes.
Quanto à sua opinião sobre a Copa, acredito que podemos olhar de uma maneira diferente: o evento pode ser um indultor de desenvolvimento. É claro que não podemos apenas construir estádios, precisamos de metrô, de estradas, de aeroportos, de melhor infraestrutra nas cidades.
Mas não acredito que vamos ter nada disso, porque não há organização.
Se cada um fizer seu papel corretamente, o país terá muito a ganhar, mas estamos muito longe dessa realidade.

Grace Penedo disse...

Gostei muito do seu Blog, assunto interessante a ser explorado, vou gostar muito de ler e irei rapassar- lo para os meus colegas de ADM da FGV.

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